Todos os anos o Exército Brasileiro oxigena suas tropas com o espírito e o entusiasmo de jovens Aspirantes e Sargentos recém-egressos de suas escolas de formação.
No nosso caso, os Terceiros Sargentos oriundos das Escola de Sargentos das Armas (ESA), da Escola de Sargentos de Logística (EsSLog) e do Centro de Instrução de Aviação do Exército (CIAvEx).
Chamados tradicionalmente de sangue novo, nossos jovens militares são esperados e muito bem recebidos nos quartéis em que se apresentam. Com a chegada deles, há também a despedida de outros companheiros após anos de serviço ativo. É o ciclo natural e necessário da profissão militar.

Mesmo sendo inexperiente — por vezes bizonho — o sangue novo tem seu lugar distinto na tropa. Sobretudo, no processo de renovação da Força. E, quanto antes conseguir entender e absorver isso, melhor aproveitará as possibilidades únicas que essa fase oferece.
Ser o mais moderno nos dá a chance de aprender sobre tudo todos os dias, de ser testado e vencer (ninguém vai te pagar uma missão impossível, filhotinho). E, principalmente, de exercer plenamente a licença poética para errar. O que pode te jogar para a vala… ou te fazer cair na direita de alguém. Estejam atentos, essa fase passa rápido.
“A tecnologia mais moderna da Força Terrestre. Literalmente falando“
E eu nem estou zoando.
SUCESSORES DE UM IMENSURÁVEL LEGADO
No Exército Brasileiro, os Terceiros Sargentos recém-formados são chamados de Lobinho. Não sei ao certo a correta origem do termo. Mas, gosto de pensar que venha do nome abrasileirado de Max Wolff Filho, o “Rei das Patrulhas”. Herói da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e símbolo do Sargento Combatente.
Legítimo pracinha, evidenciou, em combate, diversos atributos inatos ao Sargento. Características como ação de comando, espírito ofensivo, senso de colaboração e vigor físico.
Em sua homenagem, a Escola de Sargentos das Armas também leva seu nome, assim como tantos outros quartéis, escolas e instituições pelo Brasil.
Max Wolff nasceu em Rio Negro (PR), em 1911. Serviu no 15º Batalhão de Caçadores, Curitiba (PR), unidade extinta cujas instalações são hoje ocupadas pelo 20º Batalhão de Infantaria Blindada, que também leva seu nome na denominação histórica.
Foi policial militar por uma década e lutou na Revolução de 1930 e Revolução Constitucionalista de 1932, ao lado das forças federais. Então, se voluntariou para lutar na Itália com a 1ª Companhia do 11º Regimento de Infantaria (11º RI), de São João del-Rei (MG), em 1944.
Conhecido por seu destemor, renúncia e espírito de sacrifício, no dia 12 de abril de 1945, recebeu a missão de reconhecer a região denominada ‘terra de ninguém’, em Monte Forte e Biscaia.

Como comandante de uma patrulha de 19 militares, acabou sendo fatalmente atingido por uma rajada de metralhadora, juntando instintivamente as mãos sobre o ventre e caindo de bruços sem se mover mais. Seu corpo só foi encontrado dias após sua morte.
“Um Oficial, ao perceber quem havia tombado, apenas balançou a cabeça e trincou rigidamente os dentes em silêncio, sem dizer palavra alguma“
Wolff foi agraciado post mortem com as medalhas Cruz de Combate, Medalha Sangue do Brasil, Medalha de Campanha e com a medalha Bronze Star, concedida pelos EUA. Foi sepultado no Cemitério Militar Brasileiro, em Pistoia, na Itália, e, posteriormente, seus restos mortais foram trasladados para o Brasil.
Sua atuação histórica na Segunda Guerra Mundial transcende gerações, e é a força da história dos Sargentos do Brasil. O lobinho, quando chega na tropa, é fruto disso.
O TÃO AGUARDADO SANGUE NOVO
Quando chegamos na tropa, ainda temos reflexos de Aluno arraigados na personalidade militar. Quem antes estava na confortável posição de obedecer e aprender, ocupa agora o outro lado da prancheta.
Deve liderar, comandar, adestrar e motivar seus homens. Mais do que isso, deve buscar por si mesmo o que é correto. Deve se tornar uma boa referência. E, de fato, não só para baixo.
Não é tarefa fácil, pois todos os olhos do quartel se voltam para o tal do lobinho. No início, ele é tratado como se fosse mais bisonho que qualquer outra coisa. Também é colocado à prova o tempo todo, o que ajuda a arrancar o verniz da Escola. Como resultado, ele desenvolve seu espírito aguerrido. Vai se tornando cada vez mais Sargento.
Eu me sentia — e ainda me sinto — realizado em pertencer à alcateia dos Sargentos. Nos primeiros anos de tropa, gostava de escolher ‘Lobo’ como meu indicativo-rádio. Para estranhamento de muitos e recalque de alguns.
Mas, o que deveria ser sinônimo de distinção, era encarado como algo pejorativo. Se não uma, no máximo duas vezes, fui chamado de lobinho como referência à algo que inspirava orgulho. E é assim até hoje.
PRIMEIRA MISSÃO DE LOBÁSTICO
Lembro como se fosse ontem do que disseram na minha formatura de conclusão de curso:
“Vocês são o que há de mais moderno no Exército Brasileiro!“
Achei legalzão na época, mas só fui entender o que era aquela modernidade toda quando recebi minha primeira missão no batalhão.
Pense em quantas portas não têm num quartel. Pois é, minha missão era testar as chaves de cada uma delas. Agora pense que em cada uma existem militares esperando pelos lobinhos que acabaram de chegar. Talvez até querendo tirar uma casquinha deles.
Pode parecer paradoxal, mas este era o melhor emprego possível da tecnologia mais moderna da Força Terrestre. Nos fazer percorrer cada porta, cada instalação, cada seção, nos apresentando em cada uma delas, não era algo banal. Era como uma tradição.

Para nossa sorte, tínhamos feito um brevíssimo ‘giro do horizonte’ com o até então Sargento mais moderno do batalhão. O bucha acabou virando nosso padrinho, e um verdadeiro irmão.
Falando com o Comandante da OM, dizemos de onde éramos e qual era nossa experiência militar e civil. Ele fez questão de lembrar que a tropa era totalmente diferente da Escola. Soldado não deveria ser tratado como nós fomos.
Frisou a importância de fazermos o previsto. E finalizou dizendo que deveríamos estar preparados para todo trabalho que viria pela frente.
Por fim, desejou que fôssemos felizes no batalhão e na cidade. Recomendações clássicas para o sangue novo.
E lá fomos nós, lobinhos, cumprir nossa primeira missão real. A cada sala ou local que entrávamos, éramos, primeiro, sumariamente analisados — “olha aí, o lobinho chegou!” — depois, sucintamente orientado.
Aquela porra estava igual escola de formação, mas não era bem isso. Mesmo assim, ouvimos basicamente variações das palavras do comandante:
— “Lobinho, sei que você tá vibrando, mas tente não matar ninguém! Nem se matar, maldito!”
— “Soldado não é Aluno, lobástico, não cague o pau”
— “E para com essa cara de bisonho, lobinho tem que tá mordendo a jaula!”
Parecia até que eu era um perigo para mim mesmo. Na verdade, acho que eu era mesmo.
LIDERANÇA SE CONQUISTA PELO EXEMPLO
Com pouquíssimo tempo de quartel, já é possível entender o significado de ‘o Exército não é a tropa e a tropa não é a Escola’. É preciso desenvolver tato para compreender que o Soldado deve ser Soldado.
Era esse o motivo das orientações, das inúmeras conversas, incansáveis puxões de orelha e de tanta cobrança na formação. Porém, apesar de tudo que foi ensinado e de todo esforço que fiz para apreender, era perceptível que ainda faltava muito.
Agora era preciso construir um nome. Mais do que isso, era preciso lutar dia após dia para manter clara a importância do Sargento. Desde Max Wolff até os que ainda virão. Era preciso honrar nosso lugar, trazendo para si a responsabilidade.

“Leões e tigres são fortes, mas lobos não trabalham em circos“
Na definição simples e prática de um grande amigo, o Sargento é o cara que onde ele chega os problemas se resolvem. Ele é pai, mãe, professor, psicólogo, treinador, médico, engenheiro, advogado e, em primeira instância, o melhor Soldado.
Sargento é a base forte e confiante da estrutura militar. O Sargento é tudo. E nós somos Sargentos agora.



